Do ventre da terra

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São trinta e três. Chilenos. Mineiros. Soterrados a 700 metros de profundidade. Agora, estão a renascer, pescados do subsolo, por uma cápsula de nome Fénix que penetrando no ventre da terra, por uma boca profunda, desentranha trinta e tantos homens crescidos. E o mundo inteiro tem os olhos postos nos mineiros.

Admira-se a coragem, a tenacidade, a capacidade humana de resistência. Tudo o que de melhor tem a humanidade brota à tona da terra, por estes dias. A esperança e o sonho decisivos para a salvação destas vidas. A solidariedade, feita de sofrimento e de desespero convertido em sonho. E o melhor da inteligência humana ao serviço dos homens. A ciência, que aplicada é técnica e que sendo técnica sofisticada serve os homens, salvando-os. A ciência ao serviço da humanidade, do progresso, do bem-estar. Como se impunha que sempre fosse.

Por detrás da imensa alegria das primeiras horas, irromperão outras preocupações. A garantia do pão para os renascidos e para todos os seus outros camaradas. A segurança e a saúde dos trabalhadores das minas e das fábricas, das empresas, tantas vezes ultrapassadas pela sofreguidão do lucro. No Chile e no Mundo há mineiros que padecem e morrem nas minas. No Chile ou em Portugal há pescadores que morrem no mar que defrontam em dia de tempestade – que pão que é peixe faz falta em casa de pescador. E há homens cansados que em carrinhas atravessam a fronteira pela madrugada com destino a obras de prédios e urbanizações de nomes castelhanos e que se despistam projectados para a morte ou condenados a cadeiras de rodas. Só buscavam fora de portas o ganho do pão que por cá lhes é negado. E há um exército imenso de vítimas silenciosas de más condições de trabalho, de horários desregrados e cada vez mais longos, sem contemplação de horas de jantar, fins-de-semana ou noites. Não sobra tempo para os filhos, para o lazer que devia ser tempo de convívio, de desporto, de fruição de cultura e de descanso. E há uma multidão crescente que vive de soporíferos, de calmantes e anti-depressivos. Trucidada por condições de vida e de trabalho, empurrada para as fronteiras, ou mais além, do bem-estar mental.

À conta do lema “lucrar a todo o custo”, catapultado a mandamento maior da religião capitalista, soterram-se mineiros. O trabalho, condição de viver, é transformado em sofrimento e em novas formas de escravidão.

Do fundo da mina, a terra-mulher expelirá 33 homens. Das entranhas do deserto, da furna que foi ventre, a vida renasce. Ao cimo da terra, à luz do dia, os mineiros resgatados terão uma nova vida com dignidade e direitos? E nós?

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