Continuo a admirar-me com a capacidade de destruição dos portugueses, a necessidade insuportável, abrasiva de destruir. Não de uma maneira brutal e pelo gosto alarve de destruir, à moda dos hunos ou dos vândalos. Há disso também por cá, claro, mas não é o mais grave.
Pior é a nossa capacidade para planear e organizar a destruição, por razões de “organização”, de “modernização”ou de frívolo poder. É aí que o perigo mora, porque é tudo justificado com razões plausíveis, evidências seguras.
E tão fosforescentes são que fundem os fusíveis, as mentes ficam nas trevas e só anos depois se descobre que as razões afinal eram ocas e disparatadas. Mas o mal está feito. E como os responsáveis estão já esquecidos ou desaparecidos, criam-se as condições para na próxima oportunidade, aqui, além, em todo o lado, se tornar a fazer, com a mesma convicção, exactamente o mesmo.
Já uma vez falei no método de Coimbra em destruir, ou deixar soterrar, pontes sobre o Mondego, para que a meio do século XX se pudesse construir a Ponte de Santa Clara. Se em Paris, por exemplo, tivessem sempre destruído a ponte anterior para sobre ela construírem uma nova, hoje Paris seria uma cidadezinha em volta de uma ponte. Já imaginaram? É certo que, em alguns casos, já não se destrói, como no caso da Portela, aqui, ou na D. Maria, no Porto. Mas ficam a apodrecer, sem utilização nem manutenção, o que vale ao mesmo.
Será talvez pela mesma razão que se entende a prontidão e eficácia com que, segundo consta, se destruiu a frota pesqueira, e arrancamos vinhas e pomares, para depois tornarmos a pôr vinhas e pomares. Durante trinta anos andamos no arranca e desarranca, e a produção nacional a descer. Subsídios para plantar e depois subsídios para arrancar, e outra vez para plantar. Mas os espanhóis, que entraram na CEE na mesma altura, não destruíram a frota pesqueira, que continua a forte e têm olivais e produção agrícola que nos faz inveja. O certo é que passamos de uma cobertura de mais de 70% de produção agrícola nacional para menos de 30%. Ou seja, se houver uma prolongada greve de camionistas na Europa, morreremos de fome. Deixámos de produzir, os terrenos estão abandonados. Porque não vale a pena, talvez, mas também porque se perdeu o bom senso e o sentido da economia e do valor das coisas.
Dois exemplos próximos, embora desiguais, de património destruído sem necessidade ou por precipitação.
1º: O Metro Mondego. Tenho sido defensor do projecto e penso que é importante para a cidade, mas a história é caricata. Em vez de se começar a construir pelo que não havia começou por se destruir e inutilizar o que havia – a linha a funcionar e a servir as pessoas. Começou por se destruir em primeiro lugar aquilo que devia destruir-se no fim. Deve ter havido razões, não digo que não, mas não será mais uma manifestação da nossa inteligência destrutiva? Parece que a regra é: primeiro destrói-se, depois se verá. Ou melhor: destrói-se enquanto há dinheiro, porque depois pode faltar e ficamos com isto por destruir.
2º: A Escola Brotero inaugurou as suas instalações profundamente remodeladas. O trabalho foi de envergadura, e, por isso, tinha que haver o sacrifício de alguma coisa valiosa e inocente. Por que motivo se destruíram vinte cedros adultos e saudáveis que se alinhavam ao longo da cerca junto à Rua Humberto Delgado? Limpos e tratados não seriam úteis para dar um pouco de verde e de sombra a um espaço agora excessivamente branco, ácido e até algo arabizado? Havia alguma razão para os destruir para além da obscura força de os querer destruir?