Um triângulo e tanto

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O maestro Virgílio Caseiro, há dias, numa frase de que fizeram título neste jornal, disse que “Coimbra não deve ajoelhar-se ao que se faz em Lisboa e Porto”. Esta ideia vale por um programa cultural e uma reconversão psicológica. É claro que a oferta de cultura é maior nas referidas cidades, facto normal tendo em conta a desproporção urbana e demográfica. Embora, se considerarmos essa relação, as coisas se invertam.

A sua ideia, contudo, é que devemos fazer mais, para vir a fazer melhor, tentando sempre o impossível. E isto independentemente do que os outros façam. Devemos fazê-lo por nós e para nós. Por força e vontade nossas. E porque nos dá gosto e necessitamos disso. E mesmo que se possa considerar que fazemos já bastante, é por este caminho que devemos ir para perceber que nunca é suficiente. Claro que precisamos de ideias, programas, verbas, mas também de paciência, insistência e processos de mobilização para aproveitar as possibilidades que temos e, rentabilizando os recursos, fazer mais e melhor. Sempre.

Neste aspecto, o seu trabalho no arranque da Orquestra Clássica do Centro foi exemplar. Polémicas de lado, assim que ela foi criada, lançou mãos à obra e começou a realizar concertos não só em todos os sítios de Coimbra, apropriados e com dignidade para isso, concorrendo para uma valorização cultural e arquitectónica de muitos lugares pouco acostumados à música – mas em muitas vilas e cidades do Centro de Portugal, cativando públicos novos e dando às populações menos habituadas a possibilidade de usufruir da grande música, ao vivo, a cores e com orquestra.

Em suma, começou logo a realizar trabalho, continuado, insistente e sem esperar por condições que nunca se têm em pleno. Com as limitações e deficiências que possa ter, o que a Orquestra Clássica do Centro tem feito, com apoios quase só locais, é o que as instituições culturais devem fazer. Produzir, ensinar, dinamizar os lugares, ir à procura das pessoas, criar exigência, aumentar a massa crítica. Só assim poderão aparecer os criadores. E a criação, não esquecer, é o ponto culminante de toda a actividade humana. Não se chega lá facilmente, é preciso ir de baixo, trabalhar na massa, insistente e longamente. E se houver alguma tradição, melhor.

Na música ligeira, da linha estudantil e popular, há tradição, e já se começou a trabalhar sobre ela em termos eruditos. Mas também em música clássica se pode fazer muito, basta pensar no material de arquivo que temos à espera de estudo e dinamização.

E o mesmo acontece noutros níveis culturais, nuns mais que outros, claro. Já que temos uma boa tradição teatral, por que não se promovem, por exemplo, concursos de originais de teatro para que as melhores peças possam ser encenadas e representadas pelas companhias de teatro de Coimbra?

A propósito, não lhes parece que o belo e novo edifício do Conservatório de Coimbra, elegante e austero, moderno e clássico é, por si só, um convite à criação? Ao olhar pare ele, um músico começará logo, por certo, a trautear sequências musicais a caminho de sonatas e sinfonias futuras.

E por que não pensar no Vale das Flores (reparem no nome) como um pólo de produção científica e artística de grande nível? Com o Instituto Pedro Nunes na investigação científica e na técnica, inovando e criando empresas, num lado, o Conservatório de todas as músicas, no outro, e a meio, a Oficina Municipal de Teatro, à espera de um novo Tchekov, não temos aqui uma zona da cidade dinamizada pela força das vocações indomáveis?

Não peço pouco, é certo, mas já repararam no triângulo que ali vai ficar? Um triângulo e tanto!

João Boavida

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